sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Pina Bausch's Tanztheater Wuppertal, Playhouse, Edinburgh

Playful, lyrical imagery: 'Agua' (Photo by ULLI WEISS)



By Zoë Anderson

Friday, 3 September 2010

The choreographer Pina Bausch made her name with darker works, taking a confessional look at frantic needs. Later in life, she lightened up. In Agua, her 2001 celebration of Brazil, Bausch luxuriates in images of palm trees, twinkling fairy lights, days and nights at the beach. Her characters still have issues, but they're having a much better time.

Her company dance to Brazilian music, with pop songs and crooning. The women wear flowing evening dress, with flowered gauzy fabrics or billowing satin. Behind them, Peter Pabst's huge white screen shows footage of trees in the wind, of a rainforest, of celebrations and swimming. When the screen lifts, it reveals a lurking stage jungle, a wild tangle of artificial leaves.

The women dominate Agua. Charismatic, bossy and sometimes neurotic, they're as bright as their extravagant dresses. The neutrally dressed men are much more anonymous.

There's some padding, particularly in the mooching solo dances, but Agua lifts whenever the characters start interacting with each other, or chatting to the audience.

Bausch, the biggest dance name at this year's Edinburgh International Festival, died last year. Her company's performances are vividly true to the style she created. They're driven, sometimes needy, unnervingly frank. Bausch sends them through playful, lyrical imagery.

In the last scene, the dancers splash each other with water bottles, getting wetter and wetter as they rig up hosepipes. An adult figure sternly tells them off, ordering them offstage in angry gestures. The minute he turns away, they scamper back to do it again, gleeful and giggly. Hypnotically, the screen behind them shows the torrent of a huge waterfall. As the dancers splash, a golden pattern starts to shimmer on screen. It's reflected light from the onstage water, dappled by the shadows of dancing feet.


FONTE: http://www.independent.co.uk/arts-entertainment/theatre-dance/reviews/pina-bauschs-tanztheater-wuppertal-playhouse-edinburgh-2069080.html?action=Popup

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Para se aprofundar

Aqui segue indicada uma bibliografia sobre Pina e seu legado, para aqueles que queiram conhecer mais intimamente o trabalho desta grande artista.
Por acaso, alguns estão disponíveis para consultas parciais no Google Livros ;)


PINA BAUSCH, de Fabio Cypriano, com introdução de Robert Wilson, pela editora Cosac Naify

Este é o primeiro livro brasileiro que acompanha toda a trajetória de uma das mais importantes e influentes coreógrafas do século XX, criadora da linguagem chamada "teatro-dança". O ensaio reconstrói o percurso e o processo de trabalho da companhia de Pina Bausch, o Tanztheater Wuppertal, na Alemanha, desde os primórdios nos anos 1970 até a criação da peça brasileira, Água, de 2001. Fabio Cypriano destaca o método de pesquisa da artista, sobre as subjetividades de seus bailarinos, e aborda o esgarçamento das fronteiras geográficas de seu trabalho, "a partir da utilização de elementos de culturas diversas, numa verdadeira ambição de criar com sua dança-teatro uma linguagem universal". Daí a origem das peças inspiradas e produzidas em diversas cidades do mundo, como Viktor (Roma, 1986), Nefés (Istambul, 2003), Ten chi (Saitama, Japão, 2004) Rough cut (Seul, Coreia, 2005), entre outras. Tendo acompanhado o processo criativo dos bailarinos e da coreógrafa no Brasil, o autor conclui que "a relação entre o erudito e o popular é a base da forma de observação de Bausch, uma artista interessada na gente das ruas, nas manifestações com raízes populares". As fotografias inéditas do belga Maarten Vanden Abeele acompanham também este segundo bloco do livro dedicado exclusivamente à peça brasileira.


PINA BAUSCH E O WUPPERTAL DANÇA-TEATRO, de Ciane Fernandes

Durante todo o livro, a autora torna-se uma mediadora, integrando dança e teoria, movimento e palavras, estética e análise. Apesar de sua articulação altamente técnica, Ciane Fernandes mantém sua sensibilidade, respeito, honestidade e humildade com relação ao mundo do movimento e das imagens. A descrição/análise de cenas de diferentes obras de Pina Bausch, assim como a completa análise de um de seus maiores trabalhos, concedem também ao leitor (que talvez não tenha visto uma peça da coreógrafa) muitas possibilidades de experienciar a variedade artística do Wuppertal Dança-Teatro, em aspectos simultaneamente estéticos, cognitivos e sociais. Apresentação por Rose Lee Goldberg e prefácio de Susanne Schlicher.

Coffee with Pina, um filme de Lee Yanor

Nem há muito o que comentar. Um curta simples e belo retratando Pina, em Paris, em 2002.

Obras em vídeo

No site oficial para informações sobre os trabalhos de Pina Bausch, que se encontra relacionado do lado direito deste blog (->) pode-se encontrar uma relação com todas as obras de 1973 a 2009, ano de sua morte, muitos com fotos e créditos, além de informações sobre as turnês.
E no YouTube podemos encontrar vários vídeos com trechos - ou até espetáculos inteiros. Como os que seguem:


Café Müller, 1978


A Sagração da Primavera, 1975


Barba Azul (trecho 6, de 12), 1977


Nelken, 1982


Nur Du (Only You), 1996


Sweet Mambo, 2008


Bamboo Blues, 2007



A Queixa do Imperador (Die Klage der Kaiserin) - 1ª parte do filme de Pina Bausch que está inteiro disponível, porém em alemão, sem legendas.


Vollmond (Lua Cheia), 2006

Wim Wenders acabará o filme em 3D iniciado com Pina Bausch

21/07/09 - 12h15 - Atualizado em 21/07/09 - 15h03

Cineasta e dançarina se dedicaram seis meses ao projeto.
Ela morreu em 30 de junho, em decorrência de um câncer.

(Da France Presse)


Volker Hartmann/AFP
Pina Bausch (Foto: Volker Hartmann/AFP)

O diretor alemão Wim Wenders informou que planeja concluir o filme de dança em 3D que estava preparando junto à lendária coreógrafa Pina Bausch, falecida em 30 de junho.
Wenders e Bausch dedicaram seis meses de trabalho no filme que já tinha iniciado sua pré-produção, informou a produtora Neue Road Movies.
"A repentina morte de Pina Bausch paralisou os planos. Mas o trabalho de sua companhia prossegue e, nos próximos anos, continuaremos apresentando os espetáculos de dança de Pina Bausch", indica um comunicado da companhia de balé da coreógrafa.
O filme, que se chamará "Pina", será uma homenagem à famosa artista, que faleceu 30 de junho aos 68 anos.

fonte: http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,MUL1237304-7084,00-WIM+WENDERS+ACABARA+O+FILME+EM+D+INICIADO+COM+PINA+BAUSCH.html (consultado em 12/08/2010, às 16:17)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Quem foi Pina Bausch?


Pina Bausch nasceu em 27 de julho de 1940 na cidade de Solingen, Alemanha. Em 1958, ela se formou na escola Folkwang, em Essen, também na Alemanha. Depois ela continuou aprendendo dança nos EUA, onde passou três anos e estudou na Juilliard School of Music, em Nova York, de 1959 a 1962.

O trabalho da bailarina, que estreou como coreógrafa em 1968, caracteriza-se por uma junção de teatro e dança moderna, que refletia sentimentos humanos como a tristeza e o amor.

Entre as suas produções mais conhecidas estão "Komm tanz mit mir" ("Vem, Dança Comigo", 1977), "Café Müller" (1978), "Keuschheitlegende" ("Lenda de Castidade", 1979) e "Viktor" (1986).

Parte dos trabalhos da companhia Tanztheather Wuppertal de Bausch tomou por referência países por onde passou desde a década de 1980. A coreografia "Rough Cut" é dedicada à Coreia do Sul, por exemplo, e "Água", de 2001, é fruto da passagem da coreógrafa pelo Brasil.
Em 2007 ela ganhou o Prêmio Kyoto, importante prêmio de dança, em homenagem ao seu trabalho, rompendo a fronteira entre dança e teatro e estabelecendo um novo parâmetro da arte teatral. No mesmo ano, o Festival de Dança da Bienal de Veneza premiou a bailarina com o Leão de Ouro pelo conjunto de sua obra.

O trabalho de Bausch pode ser visto também no filme "Fale com Ela" (2002), de Pedro Almodóvar, que apresenta as coreografias "Masurca Fogo" e "Café Müller". Veja trecho da cena.

Desde setembro de 2008, o trabalho da bailarina e coreógrafa era objeto de uma biografia cinematográfica conduzida pelo diretor alemão Win Wenders.

A companhia de Pina Bausch realizou turnê por São Paulo, no Teatro Alfa, em setembro de 2009, com apresentações de "Café Müller", peça de 1978, e sua versão para "A Sagração da Primavera", de 1975, com música de Igor Stravinsky.

Bausch faleceu aos 68 anos na manhã de 30 de junho de 2009 no hospital de Wuppertal, Alemanha. Teve uma morte repentina e rápida, cinco dias depois de ter um câncer diagnosticado.

Produções

* "Komm tanz mit mir" ("Vem, Dança Comigo", 1977);
* "Keuschheitlegende" ("Lenda de Castidade", 1979);
* "Viktor" (1986), ou "Café Muller";
* "Rough Cut" (dedicada à Coréia do Sul)[3];
* "Água" (2001, é fruto da passagem da coreógrafa pelo Brasil).

Cronologia

* 1940 – Nasceu em Solingen, Alemanha. Seus pais, August e Anita Bausch, tinham um hotel-restaurante em Solingen;
* 1955 – Com 15 anos inicia estudos de dança na Folkwang School em Essen, com o diretor e coreógrafo Kurt Jooss;
* 1958 – Forma-se em Dança e Pedagogia da dança em Folkwang;
* 1959 – 62 – Vai para Nova Iorque dançar na Juilliard School e na Metropolitan Opera House;
* 1962 – Volta para Alemanha, dançar no recém-fundado balé da Folkwang, de Kurt Jooss;
* 1973 – Baush tem 33 anos e é contratada para dirigir o Wuppertaler Tanztheater, mais tarde mudado para Tanztheater Wuppertal Pina Bausch;
* 1976 – Rompe com formas tradicionais da dança-teatro, utilizando-se de ações paralelas, contraposições estéticas, repetições propositais e uma linguagem corporal incomum para a época;
* 2009 - Falecimento. Morreu cinco dias após ter-lhe sido diagnosticado um câncer.



Cena do filme Fale Com Ela, de Pedro Almodóvar, com Pina executando trecho de Café Müller

O processo criativo de Pina Bausch

Em seus trabalhos, que são uma junção original de teatro e dança, individualidade e universialidade dialogam. Havendo sempre uma valorização do elemento humano. Esta valorização se constata pela participação ativa de seus atores-bailarinos dentro do processo de criação, no qual não contribuem apenas como intépretes, mas principalmente como sujeitos, possuidores de corpos psicológicos , afetivos, técnicos e culturais; corpos que contam histórias, que possuem expêriencias, que não devem ser desprezadas.

Partindo do princípio de que cada um destes bailarinos tem sua própria voz, o que dizer que cada um tem sua própria verdade, Pina Bausch adentra o mundo subjetivo de cada um deles buscando riscos, divagações, emoções, memórias, sonhos e medos. Através de verdadeiros bombardeios de perguntas, ela os instiga a darem respostas verbais, gestuais e corporais a tais situações. Desta forma, ela evoca sensações, articula sentimentos, faz e desfaz uma trama agressões, carícias, revoltas, ternura, desejos, alegrias, dores e complexos. As perguntas que lança, muitas vezes são difíceis de responder, por exemplo, "Faça alguma coisa que te deixe envergonhado", "Mova a parte favorita do seu corpo", "Como você se comporta quando perde alguma coisa?", "Escreva seu nome com um movimento", dentre outras.

Seus trabalhos misturam diálogos, canto, circo, ginástica, brilhantes impactos visuais de figurino, cenografia e iluminação. A universalidade de suas obras vem da sua maior fonte de inspiração, que são as relações e os sentimentos humanos. Os assuntos de seu interesse são a vida cotidiana, as pessoas nas ruas, com seus respectivos comportamentos; seus medos, solidão, amores, tristezas, saudades. De certa forma, o que Bausch retrata é sempre um pouco da alma humana e da batalha dos sexos.

Para criar, Bausch parte sempre de um estudo, através da inserção dentro dos ambientes, da observação, do envolvimento com as pessoas, com as situações, num período de conhecimento e coleta de informações, ao qual ela denomina de pesquisa de campo. Neste processo, tanto a coreógrafa como os seus intérpretes, têm grande liberdade para agir e reagir como sentirem que seja mais adequado, e desta maneira surgem as mais variadas situações, que são levadas em cena.

Bausch trabalha sobre a concepção de que a criação surge a partir de pensamentos, uso de textos, repetições de células coreográficas, tudo em conexão com a vida pessoal de seus bailarinos. Não parece ser proposta dela, que sua forma de coreografar seja codificada, preferindo sempre deixar espaço para certa subjetividade na sua forma de compor a dança.

A criação é realizada como um quebra-cabeças. Após o período de pesquisa de campo, os bailarinos respondem à uma série de perguntas sobre aquilo que viram, e a partir daí, muitos gestos e movimentações surgem. Bausch os instigam a pensarem e encontrarem formas diferentes de se expressarem, incentivando a criatividade e a imaginação. Simultaneamente, ela faz anotações e registra todo o processo com uma câmera de vídeo.

Outra característica marcante dentro do processo criativo de Bausch, é a repetição das ações, como um meio de criar no intérprete e consequentimente na platéia, sentimentos, significados e experiências diversificadas. Esta repetição aparece, segundo Bausch, como um instrumento criativo por meio do qual os bailarinos reconstroem suas próprias histórias como corpos dançantes. Inicialmente, esta repetição aparece como uma maneira de reconstruir as experiências passadas dos bailarinos e esse processo não está baseado na expressão de um sentimento real, presente, mas na tradução simbólica de sentimentos passados, que por meio da extensiva repetição são moldadas em uma forma estética.

Bausch orienta a sua criação, pelo aproveitamento da experiência corporal e afetiva de seus bailarinos. Suas obras originam-se a partir da formulação de questões formais ou pessoais aos mesmo, da observação, do uso da imaginação e do convívio com a realidade inspiradora; fatores que somados, contribuem para dar um caráter genuíno em seus espetáculos.

O diferencial de seu trabalho está no fato de que ela valoriza o elemento humano como o alvo principal da criação. Sua pesquisa privilegia os corpos, suas vivências físicas e emocionais e não um texto dramático, como no teatro, ou um libreto, como no ballet clássico.

Texto: Evelyn Tosta
Bacharel e Licenciada pela Universidade Federal de Viçosa.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Intensidades Pulsionais na Obra de Pina Bausch


“Eu não investigo como as pessoas se movem, mas o que as move”

Pina Bausch

É com esta frase que Pina Bausch define sua pesquisa em criação coreográfica no “Wuppertaler Bühnen”. A Dança-Teatro deriva da Dança Expressionista, estilo que buscava retratar estados emocionais primitivos do ser humano, inspirando-se no movimento expressionista presente nas artes plásticas e no cinema. Bausch mantém esse mesmo foco de expressão, mas inova na criação e composição de suas peças, utilizando a colagem de trechos do material captado durante os ensaios. O processo se inicia com perguntas ou propostas feitas aos bailarinos, que os convida a redescobrir suas próprias histórias através de pensamentos e lembranças, que resultam na criação de cenas utilizando o movimento, o gesto e a palavra. As cenas são expressão das suas individualidades, sentimentos genuínos, recordações e exposição da própria fragilidade. No palco os bailarinos representam a si próprios transitando entre realidade e representação. Servindo-se da diversidade, a coreógrafa constrói formas que expressam múltiplos sentidos. O corpo na dança-teatro é carregado de memória e de linguagem; o bailarino é convocado a se apresentar como ser humano.

O palco é um espaço de transição onde se tecem sentidos. A atuação dos bailarinos expõe a sexualidade infantil, constituída a partir da história da sua própria sexualidade; a fantasia permeia a relação entre a cena e o espectador, expandindo a comunicação para além da palavra como código. Há sempre algo a mais sendo dito além do que se vê ou ouve, que constrói um sentido no decorrer do tempo, tocando cada espectador de maneira distinta. O passado é trazido à cena numa reedição que pressupõe uma elaboração no nível da consciência por parte do bailarino, porém o que é comunicado ao espectador transcende essa elaboração, como se da cena escapassem conteúdos inconscientes capazes de evocar no espectador marcas mnêmicas de suas próprias experiências.

Embora criadas pelos bailarinos, as cenas sofrem diversas modificações. Depois de apresentadas, a coreógrafa seleciona o material que será utilizado em cena e molda-o a partir da sua interferência através de sugestões, feitas pela palavra e movimento. O resultado contém a essência da criação inicial, mas não é mais a expressão da história pessoal dos bailarinos, pois esta dá lugar à criação de Bausch que envolve sua captação das intensidades pulsionais das ações. Bausch usa da subjetividade de cada dançarino, mas seu talento consiste em captar o que há de universal em cada manifestação singular, daí sua capacidade de falar ao humano quebrando fronteiras culturais e se fazendo compreender.

As perguntas são estímulos mobilizadores para a manifestação das pulsões, que encontram no próprio corpo seu veículo de expressão, gerando estímulos para o psíquico a serem representados em cena. As pulsões transcendem a distinção entre consciente e inconsciente, mantendo a origem nos processos do corpo humano, não garantindo distinções qualitativas entre elas, mas sim a sua diversidade. Assim, se estabelece comunicação entre o elenco e o público, pois o afeto, entendido por Freud como pura intensidade, encontra uma passagem direta para seu escoamento, sem necessariamente, ligar-se às representações–palavra.

Na composição coreográfica, Bausch manipula os movimentos criados pelos bailarinos, seja juntando partes de respostas de dois bailarinos para criar uma nova ação, ou sugerindo movimentos de sua autoria para serem entremeados, de forma que o conteúdo original nunca permanece o mesmo. Os recursos utilizados remetem aos mecanismos de condensação e de deslocamento encontrados nas produções oníricas, através dos quais elementos díspares são agregados deformando o conteúdo original do sonho, ou aspectos significativos são substituídos por outros de menor importância mudando o foco do insuportável para algo suportável. A essência do sonho permanece latente, à espera de ser desvelado, da mesma forma que o conteúdo da cena original se expressa nas entrelinhas. A cada encenação a vê-se a mesma história ser contada de infinitas maneiras diferentes. Há algo relacionado com o infantil, mas que não pertence à infância e sim ao presente reminiscente, ao passado atual revivido pela repetição através da qual, gestos aperentemente óbvios, adquirirem múltiplos significados, incitando diferentes leituras dos movimentos.

Recordação e repetição são dois recursos fundamentais na obra de Pina Bausch. Para Freud, a recordação não pertence ao mundo das ideias, mas sim à fantasia conforme explica em Interpretação dos Sonhos. Lembrar é evocar as associações feitas a partir de uma representação, pois esta é resultante de traços mnêmicos organizados pela simultaneidade. A associação livre proposta pela psicanálise abre caminho para um inconsciente estruturado por contiguidade, de forma que as associações não são tão livres assim, pois percorrem o caminho das representações que foram previamente conectadas e que juntas adquirem um sentido. Uma das marcas da representação é a capacidade de presentificar o passado. A recordação coloca o fato no passado, enquanto a repetição atualiza estratos da vida psíquica que não podem ser lembrados. A ação é, assim, lembrar sem se dar conta ou uma repetição para não esquecer. A memória da infância não é mais a infância, mas o presente da análise, algo que se apresenta no atual como um nó a ser desatado.

Se uma cena infantil é lembrada, significa que está fora da rede de representações inconscientes, mas há sempre algum elemento encoberto que é comunicado à plateia pelas entrelinhas. Isso se deve ao fato de Bausch conceder ao movimento o estatuto de palavra, conferindo às imagens sensoriais a capacidade de gerar significados. Se a percepção nos oferece elementos que adquirem unidade a partir da sua ligação com as representações palavra, a estrutura cênica fragmentada desperta a percepção, evocando em cada espectador o seu repertório associativo próprio.

Elementos provenientes de estímulos sonoros, táteis, visuais, olfativos ou cinestésicos se inscrevem como traços mnêmicos e se ligam a outras representações, mas podem permanecer como um resto não traduzido. Piera Aulagnier utilizou o termo “pictograma” para nomear a inscrição anterior à existência da palavra, referindo-se à representação que a psique dá a si mesma como atividade representante, algo que se passa antes de ser imaginado. A essência do pictograma é a capacidade do corpo de ser afetado num vínculo indissociável mundo-corpo, o que a autora definiu como fonte somática da representação psíquica do mundo. Dito de outra forma, o sensorial é psíquico, pois a capacidade de representar tem como pré-condição o exercício da sensorialidade no seu contato com o mundo, o que permite ao corpo ser afetado pelas impressões provenientes deste. Isto posto, será a partir da linguagem que o visto, o escutado, o degustado e o tocado darão origem a uma mensagem afetiva na interlocução entre dois sujeitos, uma mensagem que toca onde não há palavra. O intérprete da dança-teatro é portador dessa capacidade de expressar pelo gesto aquilo que não pode ser dito em palavras, estabelecendo com o espectador uma comunicação “corpo a corpo”, que afeta sua subjetividade. No seu processo de criação, Bausch multiplica os sentidos de cada gesto, invertendo muitas vezes a suposta ordem natural das coisas, num jogo que explicita a idéia de que o ser humano não apresenta padrões fixos de conduta, pois é movido pelas pulsões que produzem diferentes encontros.

Ao resgatar o infantil, Pina Bausch mergulha no universo das pulsões parciais, das relações de objeto, do masculino, do feminino e da bissexualidade como descrita por Freud, que divaga sobre o quanto a atividade e a passividade estão imbricadas na constituição do sujeito. Em dança-teatro, homens e mulheres marcam suas diferenças pela aparência, enquanto, ao se relacionarem, expressam a ambiguidade existente na diferença entre os sexos, deixando claro que, se a atividade está relacionada ao masculino e a passividade ao feminino, masculinidade e feminilidade são características inerentes a ambos os sexos.

Ao criar seus espetáculos de dança-teatro, Pina Bausch parte de um estado de desconhecimento, semelhante ao caos pulsional, um estado de pura excitação, de energia não ligada a partir do qual constrói-se o movimento de integração. Fazendo um paralelo aos processos psíquicos, pode-se dizer que parte de mecanismos do processo primário em direção ao secundário, possibilitando a formação de sentidos. Sua narrativa fragmentada convoca o espectador a revisitar suas próprias memórias, evocando sentimentos e propiciando espaços para elaborações. A dança-teatro mergulha no universo das intensidades pulsionais, transpondo a experiência estética à esfera do simbólico.

Texto: Márcia R. Bozon de Campos
Instituto Sedes Sapientiae

sábado, 14 de agosto de 2010

As muitas faces de Pina

(Entrevista de Norbert Servos, de Berlim, com a coreógrafa)

BRAVO!: Você disse em certa ocasião que a vida é como uma viagem. Observamos muitas coisas nas viagens: músicas, danças, culturas diversas. Tudo isso é processado nas peças?

Pina Bausch: Não sei exatamente como ocorre nas peças, mas preciso processar tudo isso. É claro que essas coisas estão em mim, em algum lugar dentro de mim.

B!: Como é a experiência de lidar com pessoas de outras culturas?
 PB: Acho maravilhoso, do contrário não faria isso, até porque é bastante cansativo e trabalhoso. Mas é algo imensamente importante.


B!: É correto dizer que você é uma pessoa com verdadeira paixão pela observação de tipos humanos?

PB: Sem dúvida. Só não sei se isso envolve apenas a visão. Gosto de sentir, de ter sensações. É claro que também fico olhando, mas isso tem a ver também com a maneira pela qual as coisas batem na retina, com o que você enxerga. Afinal de contas, não sou uma pessoa que simplesmente fica olhando ou fazendo apontamentos. Tudo o que eu vi não tem a menor utilidade para mim.

B!: Quem olha para você vê uma pessoa que assimila tudo com muita atenção, guardando tudo em si, para depois expressar tudo de forma diferente.

PB: Concordo com essa idéia da assimilação. Vivencio muitas coisas, mas não sei onde elas ficam armazenadas. Não sei nada, aliás. É impressionante como sabemos tão pouco.

B!: Se você fizer agora uma retrospectiva de 25 anos, será que às vezes aparece essa sensação de que o pique poderia baixar num determinado momento?

PB: Não tenho tempo para me ocupar com isso. Meu único medo é ser devorada por outras coisas e não ter tempo para trabalhar nas peças. Não sinto nenhuma falta de vontade. O meu problema é o inverso. Ficaria muito contente se ficasse um pouco mais aliviada das tarefas que envolvem organização para poder me concentrar mais em atividades criativas.

B!: De onde você tira motivação para fazer tanta coisa?

PB: Os bailarinos não vieram a Wuppertal para ficar parados em casa. Querem trabalhar, e muito. A vida útil de um bailarino é limitada, de modo que eles não têm tempo para se acomodar. Eles ficam muito tristes quando não têm o que fazer. Querem trabalhar e, na medida do possível, participar da peça seguinte. E isso também é uma coisa maravilhosa. Não posso dar-me ao luxo de ficar cansada (risos). Há tantas expectativas, e isso também é uma coisa bonita. Não posso simplesmente cair fora e tirar férias. De repente, aparece alguém na minha frente, radiante de felicidade, e diz: "Quero trabalhar". Isso transmite energia: você dá e recebe. É como nas viagens: o que se aprende e vive é muito forte. Sentimos tanta coisa, ficamos repletos dessas coisas - e, por algum lugar, tudo isso precisa sair da gente.

B!: Você acha que muita coisa mudou em seu processo de criação desde sua vinda para Wuppertal?

PB: A gente nem se dá conta disso. É um processo bem lento. Na época (1974), eu fiz, para citar um exemplo, Fritz. Esse projeto já foi uma colagem e não se baseava em nenhum original sobre o qual eu precisaria trabalhar. Em seguida fiz Ifigênia em Tauris e uma peça que se chamava Ich bring dich um die Ecke (Eu Te Mato), depois Orfeu. Como você vê, eu me movimentava entre extremos distantes. Esse modo de trabalhar não surgiu tão tardiamente. Existiu desde o princípio.

B!: Você se refere a "extremos" porque, em um desses casos, havia uma peça musical que servia de base?

PB: Não havia apenas uma peça musical que servia de base, mas também uma obra preexistente. Assim, já havia a necessidade de estar em certa harmonia com a música, com os papéis. Mais tarde as coisas evoluíram, mais no sentido de que todos os elementos se tornaram importantes.

B!: Além disso, houve durante algum tempo uma forte carga emocional em suas peças, que provocou muita gente. Hoje, suas obras se caracterizam mais por uma alegria serena...

PB: A carga emocional é sempre muito importante. Fico entediada quando não consigo sentir nada. Naturalmente, as peças apresentam hoje uma certa alegria serena, que não pode ser imaginada sem o pólo contrário. Esse consenso tácito com o público nos faz sorrir diante de nós mesmos, ou sorrir, com os outros, de nós mesmos, da condição humana... Mas esse traço existiu também em Renate Wandert (Renata Migra) e em Keuschheitslegende (Lenda da Virgindade). Só que as coisas se passam cada vez mais de forma distinta. Uma alegria serena, por si só, não significa nada. Em cada peça temos sempre também o oposto, como na própria vida.

B!: Seu grupo mostra uma energia renovada, diferente. É por isso que há mais danças nas peças?

PB: Os movimentos surgem como eu antes encontrava as coisas. Isso sempre me interessou muito. Não a própria composição, mas a descoberta do movimento.

B!: Há mais solos nas coreografias. As peças mais antigas davam ênfase às danças coletivas.

PB: Isso é conseqüência dessa busca paralela. Por um lado, temos o movimento, e em formas muito individuais. Quer dizer que eu trabalho com cada indivíduo até mesmo em termos de movimento. O que resulta do fato de que eu tenho muitos bailarinos, bailarinos maravilhosos. E isso também tem a ver com o fato de que os bailarinos se esforçam incrivelmente - têm consciência da responsabilidade que assumem nos seus papéis.

B!: Você já disse que houve também algumas transformações na busca e descoberta das danças.

PB: A gente sempre procura algo novo. Já fizemos tanta coisa, e não me interesso pelo que já fiz. Mas então todos perguntam: "Por que você não faz mais um projeto como A Sagração da Primavera?". Respondo: "Temos Sagração... e também Ifigênia em Tauris. Continuamos apresentando essas peças. Quando chegar a hora, certamente farei". Este é o lado bonito: a gente começa a caminhar sempre do zero, sempre precisa abrir novas portas.

B!: Você ainda tem medo de começar da estaca zero, como ocorria no início de cada peça, no passado?

PB: Não sei como isso se chama, se é medo ou não. Nesse ponto as coisas nunca mudaram. Acontece uma coisa muito especial quando a gente faz uma peça. Inicialmente, eu começo a procurar. O primeiro problema consiste em que a gente precisa de material, muito material. Isso ainda não resulta em uma peça. Nesse material, que a gente desenvolve, eu espero encontrar algumas miudezas, com as quais começo a compor uma coisa, com todo o cuidado. Tudo se passa como se eu fosse um pintor que tem apenas um pedaço de papel e precisa pintar sobre ele: é preciso proceder de forma muito cautelosa. Quando a gente erra num detalhe, não há mais como corrigi-lo. De repente, a gente se perde. Daí a grande preocupação e concentração para fazer a coisa certa. Não há nenhuma certeza nesse momento. Começo com algo e nem sei a direção que o trabalho vai tomar. A única coisa que tenho são os meus bailarinos. É uma coisa complicada, não se trata apenas do medo. Há também a esperança de encontrar algo muito bonito.

B!: Você tem a sensação de que as peças mudam quando os papéis são distribuídos a outros bailarinos? Ou será que elas conservam o mesmo perfil?

PB: Elas deveriam preservar o mesmo perfil. Essa é a dimensão bonita em uma apresentação ao vivo: cada noite é diferente. É necessário muito trabalho para manter uma peça de tal forma que ela pareça renascer no palco no instante da sua apresentação. Não se pode simplesmente levar a rotina na mala e dizer: "Bem, pessoal, vamos fazer essa peça". Afinal de contas, a peça deve ter o frescor da novidade em cada apresentação.

B!: Você tem aspirações para o futuro da companhia e de sua obra?

PB: Gostaria que pudéssemos criar uma situação na qual fosse possível trabalhar muito. Gostaria que todos os participantes desse trabalho fizessem tudo com prazer e grande senso de responsabilidade. Não quero que as pessoas trabalhem e se torturem, sofrendo do começo ao fim. Quero alegria no trabalho, e que ela seja transmitida ao público. Quero - e nem sei bem como vou expressar isso - que alguma coisa se expanda, lance pontes. Quero fazer muitos amigos no mundo inteiro. E que tenhamos novamente vontade de aceitar o desafio da vida, e mãos à obra! Quero que preservemos a esperança. E que isso produza um efeito positivo.

Tradução: Peter Naumann

Foto: Cena do Espetáculo "Para as Crianças de Ontem,
Hoje e Amanhã", apresentado no Brasil em 2006

Crédito: Revista BRAVO!

Pina Bausch ergue sua Babel

A coreógrafa alemã reúne convidados de todos os cantos para comemorar 25 anos à frente do Tanztheater Wuppertal e diz a BRAVO! que é preciso contrabalançar a tristeza do mundo
(Por Fabio Cypriano, em Estocolmo)

"Eu não me interesso em como fazer um movimento, mas em por quê." A frase da coreógrafa Pina Bausch é a síntese perfeita de sua obra, consolidada em 25 anos à frente do Tanztheater Wuppertal, na Alemanha. A data é comemorada neste mês com uma grande festa, que durante 20 dias vai reunir várias companhias, entre as quais a belga Rosas, o bailarino Mikhail Baryshnikov, grupos de hip-hop alemães e franceses e até o cantor Caetano Veloso. Todos os artistas vão se apresentar sem cobrar cachê, como um presente a Bausch.

A variedade dos convivas, que à primeira vista podem parecer inconciliáveis, retrata com fidelidade a personalidade da coreógrafa, que transformou os rumos da dança no século 20. O seu gosto pela diversidade se reflete também na origem dos 25 bailarinos da companhia, vindos de 15 países diferentes. No palco, eles cantam, suspiram, choram, arremetem contra a parede e falam, muitas vezes em sua língua natal. Por isso é comum escutar textos em português, graças à presença das bailarinas brasileiras Regina Advento e Ruth Amarante.

É claro, os bailarinos também dançam - sobre terra, água, flores, grama, granito, tijolos, porque, diz Bausch, "eu gosto de ver a interferência desses elementos orgânicos no movimento" -, ainda que na dança-teatro da coreógrafa o importante não seja apenas a dança. Bausch trata, em suas 30 peças à frente da companhia Wuppertal, de questões existenciais, como a solidão, mas também o amor e a alegria: afinal, diz ela, é preciso contrabalançar a tristeza do mundo. Além dos temas, os cenários deslumbrantes, mas simples, sem o uso de recursos tecnológicos sofisticados, põem o bailarino em primeiro plano, construindo um teatro centrado essencialmente no humano. Foi sobre esse trabalho, a festa de 25 anos e a possibilidade de criar uma peça sobre o Brasil que Pina Bausch falou, com exclusividade, a BRAVO!, em Estocolmo, durante a temporada de seu grupo na capital cultural da Europa de 1998.

Créditos: Revista BRAVO!

Um teatro do movimento

Dança de Pina Bausch é nova forma de espetáculo
(Texto de Fabio Cypriano)

Ao som de uma colagem musical que inclui Beethoven, Mozart e árias italianas antigas, cantadas por Benjamino Gigli, uma mulher vive um caso de amor com um hipopótamo. Situações como essa, moldadas para estimular a reflexão sobre as impossibilidades nos relacionamentos humanos, compõem o repertório de Pina Bausch, a coreógrafa alemã que inventou uma nova forma de espetáculo e cuja obra já é um clássico do século 20.

Em Árias a criação de 1979 que relacionou o monumental paquiderme à condição humana, assim como em suas demais obras, Bausch explora histórias expressivas de um mundo cruel, cínico e violento, que contudo não deixa de incluir o humor e a esperança. "De certa forma, meu trabalho é uma longa e única peça", costuma dizer a coreógrafa, que subverteu os códigos convencionais da dança para desenvolver uma linguagem teatralizada, sustentada pela expressão gestual que, mesmo quando reduzida ao mínimo de movimentos, sempre consegue tocar o essencial.

Segundo Bausch, a perda do movimento e da dança, em seus espetáculos, é apenas aparente. "Tenho imenso respeito pela dança e é por essa razão que a utilizo moderadamente", ela disse à italiana Leonetta Bentivoglio, autora de um livro sobre a coreógrafa. "A dança está presente em minha obra, mas não é mostrada diretamente. Diria que os movimentos utilizados são tão simples que nos fazem pensar que não constituem uma dança. Mas, para mim, é o inverso. Acredito que há muita dança no trabalho de meus intérpretes, mesmo quando eles não se mexem."

Rejeitando mensagens, os espetáculos de Baush propõem questões abertas. Com sua visão subjetiva das relações humanas, ela estimula percepções diferentes de um mesmo tema - como se algo pudesse ser visto de diversas formas, dependendo das circunstâncias. Com isso, a mesma obra pode adquirir múltiplos significados a cada nova apresentação. Eterna investigadora do movimento, Bausch já desafiou seu elenco a atuar em palcos recobertos por terra, água, troncos de árvores, milhares de cravos ou perante um muro que desmorona repentinamente. Ela explica que essa impressão de desordem dá aos bailarinos consciência da realidade, mantendo-os em estado de atenção permanente. "Amo o real. A vida jamais se compara a um chão feito para a dança, liso e seguro... Amo a relação da natureza com a dança. O passo de um dançarino sobre a grama ou a terra fresca é completamente diferente, e sua maneira de ser e de se movimentar se transforma", diz.

No vocabulário singular de Bausch, que disseminou influências e gerou legiões de imitadores, transitam elementos mais próximos do teatro do que da coreografia. Entretanto, os integrantes de seu elenco treinam rotineiramente a técnica do balé clássico, nunca utilizada como molde, mas como um recurso integrado à polivalência expressiva. Durante seus processos criativos, ela também cerca seu elenco de perguntas, relativas tanto à vida cotidiana como ao imaginário de cada um. De tais exercícios, recolhe reações particulares que, em conjunto, refletem as contradições do comportamento humano. Pouco a pouco, ela constrói uma organização dramática, marcada por ações repetitivas e narrativas descontínuas.

A atração pela subjetividade, que a faz somar a seus espetáculos as características e contribuições individuais dos bailarinos, vem de Kurt Jooss (1901-1979)- o precursor da nova dança alemã surgida no pós-guerra -, com quem Bausch trabalhou como assistente na escola Folkwang, dirigida por ele na cidade de Essen. Nascida em 1940, em Solingen, Bausch se deleitava, na infância, com as pessoas e situações que observava no restaurante de seu pai. "É uma bagagem que jamais perdi", diz. Aos 14 anos, quando ingressou na escola fundada por Jooss, ela teve a oportunidade de estudar diversas modalidades de dança, da clássica à folclórica, além de disciplinas integradas, como música, teatro, canto, fotografia, artes plásticas.

Em 1959, quando se mudou para Nova York, onde viveu durante dois anos, Pina também se encantou com o caráter multifacetado da cidade. Durante esse intenso período, ela estudou na Juilliard School of Music, dançou nas companhias de Paul Sanasardo, Donya Feuer e Paul Taylor, e também fez parte dos elencos do New American Ballet e do Metropolitan Opera Ballet, na época dirigido pelo coreógrafo britânico Antony Tudor, que lhe salientou as nuances poéticas dos movimentos, mesmo sob o rigor acadêmico.

O prazer de conviver com as diversidades, ela o estendeu ao seu elenco, que reúne bailarinos vindos de diversas partes do mundo. Como os personagens de Fellini, com o qual ela trabalhou no fil-me E la Nave Và, sua companhia reúne tipos singulares, que conseguem espelhar incoerências individuais e coletivas. Embora muitas vezes se limitem a falar textos desconexos, chorar, cantar ou gritar, os intérpretes de Bausch são, acima de tudo, bailarinos.

Por causa da relação especial que mantém com o corpo, o bailarino, na opinião de Bausch, sabe ser natural. É por isso que ela não se interessa em trabalhar com atores, que sempre se projetam para o exterior. Bailarinos, afirma Bausch, conseguem ser eles mesmos e lidar melhor, em cena, com emoções mais autênticas. Para ela, isso garante a simplicidade - algo que ela persegue permanentemente em seus espetáculos.

Créditos: Revista BRAVO!



Entrevista com Pina Bausch

(Reportagem de Fabio Cypriano para Revista BRAVO!)

BRAVO!: Há planos de o Tanztheater Wuppertal fazer uma co-produção com o Instituto Goethe, de São Paulo, sobre a capital paulista?

Pina Bausch: De fato, alguém teve essa idéia, não sei exatamente quem, mas eu gostaria muito de poder fazer algo sobre o Brasil. É uma linda possibilidade, ainda não muito realista, porque não temos dinheiro para isso. Seria interessante se pudéssemos fazê-lo no ano 2000, em virtude das comemorações que serão realizadas no Brasil, mas já não é mais possível, pois faremos uma co-produção com a cidade de Budapeste. Talvez seja possível para 2001. É uma proposta que eu gostaria de concretizar - passar um tempo no Brasil criando uma peça. São Paulo é uma cidade de que gosto muito.

B!:A sua festa de 25 anos à frente do Tanztheater Wuppertal reúne artistas que vão de Baryshnikov a grupos de hip-hop franceses e alemães. Como a sra. classifica essa variedade de convivas?

PB:Eu não classifico nada em minha vida! É apenas uma festa de parte do que eu gosto, e eu gosto de tantas coisas... Acho que esse é um momento muito especial e por isso uma ótima razão para convidar todas essas companhias e também trazer públicos diferentes para o teatro.

B!:Mas a sra. ouve e vê hip-hop?

PB:Sim, algumas vezes, quando tenho a possibilidade, em vídeo ou na televisão. É um movimento do break-dance incrível, e eles são dançarmos maravilhosos.

B!:A coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker, da companhia belga Rosas, tinha uma linha de trabalho muito próxima da sua, mas agora faz um trabalho bem diferente. A sra. tem acompanhado a carreira dela?

PB:Nos últimos anos, não tive oportunidade de assistir aos espetáculos dela. Estamos sempre nos mesmos festivais, mas em dias diferentes. Nos encontramos às vezes, e ela já me convidou para dar aulas na escola dela (P.A.R.T.S.). É uma questão de tempo. Mas temos trabalhos muito diferentes, pois ela sempre atua com música ao vivo, e isso influencia muito no que se faz. Eu uso música gravada, de toda parte do mundo.

B!:Como é o processo de seleção dessas músicas?

PB:Tenho duas pessoas encarregadas disso, especialistas em encontrar músicas. Mas a todos os meus amigos, aos bailarinos, a todo mundo pergunto sobre músicas bonitas. Contudo, a decisão é sempre minha; de fato, eu faço a música.

B!:Na festa também estará presente Caetano Veloso, mas não há músicas dele em suas peças.

PB:Ainda não (risos).

B!:Mas há alguma canção dele em especial que a senhora tenha em vista?

PB:Há tantas canções especiais! Nos encontramos pela primeira vez no ano passado, no Rio de Janeiro, e ele foi muito aberto a toda a companhia. Será ótimo tê-lo em nossa festa.

B!:A sra. participou do filme E La Nave Và, do diretor italiano Federico Fellini. Como foi a experiência?

PB:Ele assistiu a várias peças e um dia disse que queria me convidar para participar do filme. Não acreditei que ele tinha me escolhido, pois há tantas mulheres lindas na companhia. Mas ele realmente queria a mim. Tempos depois eu entendi o porquê: Fellini me deu um de seus desenhos - ele sempre desenhou previamente as cenas - e, de fato, ele já havia me desenhado antes de nos conhecermos. Quando me viu, ficou claro que era de mim que ele precisava, pois, sem me conhecer, já havia me desenhado!

B!:É uma incrível coincidência, pois sua personagem no filme é uma princesa cega, e isso aconteceu justamente depois da criação da peça Café Muller, em que a sra. dançava de olhos fechados!

PB:Eu acho que foi uma enorme coincidência, mas não sei exatamente, pois ele não mostrava o script antes da gravação das cenas, apenas durante a maquiagem e, se algo o inspirava, ele alterava durante a gravação, o que chegou a acontecer comigo.

B!:Mas ele dava espaço para improvisações, como a sra. faz, na criação?

PB:Não, de forma alguma. Ele mostrava exatamente como queria que as cenas fossem feitas. Eu não sabia, no começo, como ele trabalhava e me surpreendi com isso! Ele dizia apenas no local da filmagem como as pessoas deveriam atuar.

B!:A sra. já disse que cria peças para falar sobre algo que tenha urgência. Sua peça mais recente, Mazurca Fogo, trata essencialmente de amor, romantismo, alegria. É sobre esses sentimentos que a senhora acha urgente falar agora?

PB:A questão é: do que o mundo precisa hoje, do que precisamos? Bem, eu fico tímida ao falar das minhas peças, do que faço, mas claro que esses temas não surgiram por coincidência. Tudo é muito pensado, e reflete energias, sentimentos que estão juntos. Para mim é o que realmente é necessário: ver certas ironias, rir de alguma coisa, ter um certo prazer. Estamos num terrível, tenebroso, sério e assustador momento. Então, procuro dar um pouco de balanço, de compensação a tudo isso.

B!:Numa apresentação de O Limpador de Vidraças, uma criança de 7 anos divertiu-se o tempo todo, rindo, cantando, dançando. A sra. defende o teatro como um espaço para trazer nossas recordações de infância...

PB:Sim, afinal nossa infância é nossa história. De fato, nossa infância é importante para nós, para cada um de nós, mas as peças não são sobre mim, e sim sobre nós. Pode-se assistir a elas por tantos lados, não há um caminho: assista assim ou dessa forma. Deve-se estar livre, e confiar em si próprio, no que se está sentindo quando se vê a peça. E, quando se vê mais vezes, ela muda, da mesma forma que mudamos nossos sentimentos, e isso se reflete na visão. Eu acho que uma peça deve ser tão aberta para mim quanto para os outros, para que cada um possa construir sua própria peça nela.

B!:A sra. assiste a todas as apresentações de sua companhia, o que a impede de aceitar convites para coreografar outros grupos. Qual a razão de sua presença permanente?

PB:Eu mesma não sei exatamente, mas para mim isso sempre foi necessário. Alguém tem de estar lá para cuidar das peças, dos detalhes, há sempre milhões de detalhes. Senão, as produções vão mudando pouco a pouco. E também há diferentes palcos, teatros, e em cada lugar precisamos nos sentir como em casa, que é o nosso lugar. E nunca encontrei ninguém que pudesse cuidar disso. Além do mais, eu acho que foi o meu sentimento que organizou as peças e por isso tenho de estar lá, fazendo as críticas. E todo mundo trabalha tanto, que "tomar conta" é muito importante. Tomar conta e sempre necessário, seja numa relação de amizade, ou qualquer outra.

B!:Mas a sra. aceitou o convite para dirigir uma ópera, em julho, no mais recente festival de Aix-en-Provence.

PB:Sim, durante as minhas três semanas de férias! Mas foi um convite irrecusável do Pierre Boulez, um maestro fantástico. E ele me propôs fazer O Barba-Azul, o que foi uma honra inacreditável. Sempre quis encontrá-lo e estar em contato com ele, o que foi muito bonito. Antes, O Barba-Azul tinha alguns cortes, e pela primeira vez foi apresentado na íntegra. E, em verdade, me pareceu uma obra completamente diferente, com um homem tão diferente, um Barba-Azul tão bom, isto é, no que ele pode ser bom, uma pessoa tão triste, nem parecia o Barba-Azul!

B!:E qual a diferença na montagem do Barba-Azul que a sra. criou em Wuppertal, em 1977?

PB:Quando fiz Barba-Azul com o Tanztheater Wuppertal, usei um gravador em cena que podia reproduzir a música alta ou baixa, mais rápida, ou mesmo voltar várias vezes. Na ópera, tive de aprender um monte de coisas, como: não fazer muito barulho em cena para não atrapalhar a orquestra, ou que os cantores querem olhar para o público. Foi como fazer uma série de acordos. E o tempo de preparação foi um pouco curto, apenas três semanas.

B!:Pelo processo de criação que desenvolveu, a sra. consegue obter de cada bailarino aquilo que ele sabe fazer de melhor. Como é esse processo?

PB:Eu tenho com cada um uma relação muito especial, baseada no respeito. Mas explicar o processo é muito difícil. Pode-se falar de uma forma técnica o que faço, mas a real intenção pela qual escolho uma cena não tem explicação. E, quando vejo algo que me agrada, é como se isso já pertencesse ao que eu procurava, é o que eu queria ver. Também sempre há coisas que me deixam insegura; quando começo uma peça, nunca sei exatamente aonde vai dar. E são os bailarinos que me fornecem esse material: às vezes, uma palavra, ou mesmo uma pequena fração de movimento. Eles criam algo, e peço para repetirem apenas uma pequena parte, e eles mesmos se surpreendem com a minha escolha. É muito engraçado, porque, no início, é como se eu não soubesse; já estava lá, mas não tinha forma. Mas se você me perguntar como, eu não sei.

Créditos: Revista BRAVO!!!

Moda-Arte: Pina por Ronaldo Fraga



(trecho do texto de Ricardo Oliveros, de 20 de janeiro de 2010)

Um desfile de Ronaldo Fraga é sempre muito específico. A última coisa que me importa são as roupas. Mesmo que elas estejam presentes lá, o estilista mineiro as usa como metáforas para mostrar um mundo particular.
Como você mesmo pode ver na entrevista, Ronaldo acabou não conhecendo o trabalho e o processo criativo da coreógrafa alemã Pina Bausch, mas como diz a música final de Caetano Veloso: “Eu queria fazer um canção para ela” como Fraga fez uma coleção para ela.
É um imaginário criativo. Pina está lá e não está. Certos elementos incônicos como as cadeiras, o bandoneon, a vontade de ir além da dança… É talvez neste último e derradeiro elemento da coreógrafa que temos o ponto de convergência entre ela e Ronaldo.
Ronaldo sempre tem esta vontade de ir além da moda. Moda para ele é um meio e não um fim. No meio do SPFW, para alguns ísto é quase uma heresia, para outros um oásis.
Ao mostrar as peças que não tem frente, nem costas, ou estão deslocadas, como as cabeças de Pina usadas pelos modelos, é sobre este deslocamento que estamos vendo a cada desfile. Ao mostrar que roupa não tem sexo e que isto não importa, ele está literalmente dando as costas para os grandes paradigmas da moda.



(matéria de Gustavo Mendicino, de 4 de março de 2010, no jornal Hoje em Dia, de BH)

Pina Bausch, Ronaldo Fraga e Hogenério. Hogenério, Ronaldo Fraga e Pina Bausch. Ronaldo Fraga, Pina Bausch e Hogenério. Não importa a escala, o ramo de atuação, nem a abrangência de sua influência, mas se trata de três vanguardistas no mundo das artes, e o melhor, que se ligam, diretamente.

Ronaldo Fraga é um grande admirador de Pina Bausch. Escolheu a frase dela: “Não me importa o movimento das pessoas, e sim o que movimenta as pessoas” para ser uma de suas fontes inspiradoras.

Nesse caminho, o estilista mineiro, que não se considera estilista, e sim um desenhista que faz o que a maioria das pessoas chama de moda, resolveu montar uma coleção de Inverno para este 2010 que tem Pina Bausch como “musa”. Foi um sucesso no São Paulo Fashion Week.

Pina Bausch, uma das maiores bailarinas e coreógrafas que já pisaram o planeta Terra, falecida em junho do ano passado, levava para os palcos histórias contundentes, expressivas, muitas vezes baseadas nas experiências de vida dos próprios bailarinos que compunham seu grupo ou nas cidades para onde levava suas peças. Ela era do tipo permeável, que praticava osmose com a arte, ou seja, sugava e exprimia. E para a arte, passar pela matéria de Bausch significava ainda mais refinamento e ao mesmo tempo, complexidade.

Para montar sua coleção em homenagem a Bausch, Ronaldo Fraga convidou alguns artistas plásticos mineiros para expressarem seu sentimento em relação à coreógrafa. Hogenério foi um destes que recebeu o convite. Enviou algumas imagens e teve uma selecionada pelo estilista para integrar sua coleção que seria (foi) apresentada no São Paulo Fashion Week.

Hogenério não tem no nome a expressão de um Ronaldo Fraga, hoje conhecido mundialmente, muito menos de Pina Bausch, mas pode se considerar tão artista como tais. Hogenério é um experimentador, um desafiador e enxerga a arte como o melhor e mais caro brinquedo que aprendeu a admirar e a manusear. E o melhor, a criar.

A tríade formada, com uma pirâmide no que diz respeito a sucesso, alcance, mas que em muitas das vezes se torna um plano, quando o assunto é arte.

Pina Bausch e a delicadeza

(Texto de Martha Medeiros, de 1 de julho de 2009)

Eu só descobri quem era Pina Bausch quando assisti ao filme Fale com Ela, de Pedro Almodóvar, cuja abertura mostrava uma coreografia dessa alemã que era considerada um dos maiores nomes do “teatro-dança”. Pina faleceu na última terça-feira, aos 68 anos. Por sorte, tive a oportunidade de assistir em Porto Alegre, três anos atrás, a um de seus espetáculos, chamado Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã. Aquilo me emocionou tanto que na época escrevi uma crônica a respeito para o jornal Zero Hora. Transcrevo um trecho aqui, como homenagem. 
”A coreógrafa Pina Bausch certa vez revelou em uma entrevista: “Quando vou assistir a uma peça, quero sentir algo. Não quero só estar lá, ver o que vai ou não acontecer. Quero ver e sentir.” Inspirada nesta sua necessidade como espectadora, Pina cria espetáculos onde não importa “o que se quer dizer” e sim o quanto eles podem provocar riso, espanto, angústia, fascínio, alegria. A platéia jamais fica indiferente. Entender? Não há nada para entender. Não é uma obra feita de pontos de interrogação, e sim de pontos de exclamação. E, vá lá, algumas reticências…
Desta vez ela trouxe para o Brasil uma coreografia baseada no mundo infantil. De repente, o palco, praticamente despido de cenário, vira um grande playground, onde os dançarinos pulam corda, sentam em balões, imitam pássaros, cospem água uns nos outros, brigam, vivem suas fantasias e não temem ser julgados. Criancices. Fragmentos de uma época da vida em que a opinião dos outros não nos interessava em nada, em que tudo era permitido, tudo tinha graça, tudo era novo.
Não precisaríamos perder nada disso com a passagem do tempo, mas perdemos. Ficamos blindados. Tudo o que não for “adulto” passa à categoria do ridículo. E um belo dia nos damos conta de que não possuímos mais a leveza necessária para apreciar o que é simplesmente belo, simplesmente inusitado, simplesmente espontâneo, simplesmente sem sentido. O “simplesmente” deixa de ser algo aceitável. É preciso vir uma teoria junto, uma bula, uma explicação.
Aplausos, então, para a coordenação do Em Cena, que trouxe até nós um pouco desta experiência teatral do sentimento pelo sentimento, através de uma dança muito profissional, mas também propositadamente amadora em seus objetivos - se é que se pode chamar de amador almejar apenas o encantamento - e que veio acompanhada de uma trilha sonora impactante, de um figurino elegantíssimo e de uma modernidade espantosa. A modernidade que há no que para alguns parece tão antigo: o simplesmente sentir.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Pina Bausch no Cinema

Apresentamos aqui um trecho do filme "E La Nave Va", filme italiano de 1983, de Federico Fellini, que retrata, como se fosse um documentário, os eventos ocorridos com um grupo de amigos à bordo de um luxuoso navio, reunidos para o funeral de Edmea Tetua. Edmea seria a maior cantora lírica de todos os tempos. Pina interpreta Princesa Lherimia, uma mulher cega e com extrema sensibilidade, como se pode notar por suas palavras nesta cena.