sábado, 14 de agosto de 2010

Pina Bausch e a delicadeza

(Texto de Martha Medeiros, de 1 de julho de 2009)

Eu só descobri quem era Pina Bausch quando assisti ao filme Fale com Ela, de Pedro Almodóvar, cuja abertura mostrava uma coreografia dessa alemã que era considerada um dos maiores nomes do “teatro-dança”. Pina faleceu na última terça-feira, aos 68 anos. Por sorte, tive a oportunidade de assistir em Porto Alegre, três anos atrás, a um de seus espetáculos, chamado Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã. Aquilo me emocionou tanto que na época escrevi uma crônica a respeito para o jornal Zero Hora. Transcrevo um trecho aqui, como homenagem. 
”A coreógrafa Pina Bausch certa vez revelou em uma entrevista: “Quando vou assistir a uma peça, quero sentir algo. Não quero só estar lá, ver o que vai ou não acontecer. Quero ver e sentir.” Inspirada nesta sua necessidade como espectadora, Pina cria espetáculos onde não importa “o que se quer dizer” e sim o quanto eles podem provocar riso, espanto, angústia, fascínio, alegria. A platéia jamais fica indiferente. Entender? Não há nada para entender. Não é uma obra feita de pontos de interrogação, e sim de pontos de exclamação. E, vá lá, algumas reticências…
Desta vez ela trouxe para o Brasil uma coreografia baseada no mundo infantil. De repente, o palco, praticamente despido de cenário, vira um grande playground, onde os dançarinos pulam corda, sentam em balões, imitam pássaros, cospem água uns nos outros, brigam, vivem suas fantasias e não temem ser julgados. Criancices. Fragmentos de uma época da vida em que a opinião dos outros não nos interessava em nada, em que tudo era permitido, tudo tinha graça, tudo era novo.
Não precisaríamos perder nada disso com a passagem do tempo, mas perdemos. Ficamos blindados. Tudo o que não for “adulto” passa à categoria do ridículo. E um belo dia nos damos conta de que não possuímos mais a leveza necessária para apreciar o que é simplesmente belo, simplesmente inusitado, simplesmente espontâneo, simplesmente sem sentido. O “simplesmente” deixa de ser algo aceitável. É preciso vir uma teoria junto, uma bula, uma explicação.
Aplausos, então, para a coordenação do Em Cena, que trouxe até nós um pouco desta experiência teatral do sentimento pelo sentimento, através de uma dança muito profissional, mas também propositadamente amadora em seus objetivos - se é que se pode chamar de amador almejar apenas o encantamento - e que veio acompanhada de uma trilha sonora impactante, de um figurino elegantíssimo e de uma modernidade espantosa. A modernidade que há no que para alguns parece tão antigo: o simplesmente sentir.

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