sábado, 14 de agosto de 2010

Entrevista com Pina Bausch

(Reportagem de Fabio Cypriano para Revista BRAVO!)

BRAVO!: Há planos de o Tanztheater Wuppertal fazer uma co-produção com o Instituto Goethe, de São Paulo, sobre a capital paulista?

Pina Bausch: De fato, alguém teve essa idéia, não sei exatamente quem, mas eu gostaria muito de poder fazer algo sobre o Brasil. É uma linda possibilidade, ainda não muito realista, porque não temos dinheiro para isso. Seria interessante se pudéssemos fazê-lo no ano 2000, em virtude das comemorações que serão realizadas no Brasil, mas já não é mais possível, pois faremos uma co-produção com a cidade de Budapeste. Talvez seja possível para 2001. É uma proposta que eu gostaria de concretizar - passar um tempo no Brasil criando uma peça. São Paulo é uma cidade de que gosto muito.

B!:A sua festa de 25 anos à frente do Tanztheater Wuppertal reúne artistas que vão de Baryshnikov a grupos de hip-hop franceses e alemães. Como a sra. classifica essa variedade de convivas?

PB:Eu não classifico nada em minha vida! É apenas uma festa de parte do que eu gosto, e eu gosto de tantas coisas... Acho que esse é um momento muito especial e por isso uma ótima razão para convidar todas essas companhias e também trazer públicos diferentes para o teatro.

B!:Mas a sra. ouve e vê hip-hop?

PB:Sim, algumas vezes, quando tenho a possibilidade, em vídeo ou na televisão. É um movimento do break-dance incrível, e eles são dançarmos maravilhosos.

B!:A coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker, da companhia belga Rosas, tinha uma linha de trabalho muito próxima da sua, mas agora faz um trabalho bem diferente. A sra. tem acompanhado a carreira dela?

PB:Nos últimos anos, não tive oportunidade de assistir aos espetáculos dela. Estamos sempre nos mesmos festivais, mas em dias diferentes. Nos encontramos às vezes, e ela já me convidou para dar aulas na escola dela (P.A.R.T.S.). É uma questão de tempo. Mas temos trabalhos muito diferentes, pois ela sempre atua com música ao vivo, e isso influencia muito no que se faz. Eu uso música gravada, de toda parte do mundo.

B!:Como é o processo de seleção dessas músicas?

PB:Tenho duas pessoas encarregadas disso, especialistas em encontrar músicas. Mas a todos os meus amigos, aos bailarinos, a todo mundo pergunto sobre músicas bonitas. Contudo, a decisão é sempre minha; de fato, eu faço a música.

B!:Na festa também estará presente Caetano Veloso, mas não há músicas dele em suas peças.

PB:Ainda não (risos).

B!:Mas há alguma canção dele em especial que a senhora tenha em vista?

PB:Há tantas canções especiais! Nos encontramos pela primeira vez no ano passado, no Rio de Janeiro, e ele foi muito aberto a toda a companhia. Será ótimo tê-lo em nossa festa.

B!:A sra. participou do filme E La Nave Và, do diretor italiano Federico Fellini. Como foi a experiência?

PB:Ele assistiu a várias peças e um dia disse que queria me convidar para participar do filme. Não acreditei que ele tinha me escolhido, pois há tantas mulheres lindas na companhia. Mas ele realmente queria a mim. Tempos depois eu entendi o porquê: Fellini me deu um de seus desenhos - ele sempre desenhou previamente as cenas - e, de fato, ele já havia me desenhado antes de nos conhecermos. Quando me viu, ficou claro que era de mim que ele precisava, pois, sem me conhecer, já havia me desenhado!

B!:É uma incrível coincidência, pois sua personagem no filme é uma princesa cega, e isso aconteceu justamente depois da criação da peça Café Muller, em que a sra. dançava de olhos fechados!

PB:Eu acho que foi uma enorme coincidência, mas não sei exatamente, pois ele não mostrava o script antes da gravação das cenas, apenas durante a maquiagem e, se algo o inspirava, ele alterava durante a gravação, o que chegou a acontecer comigo.

B!:Mas ele dava espaço para improvisações, como a sra. faz, na criação?

PB:Não, de forma alguma. Ele mostrava exatamente como queria que as cenas fossem feitas. Eu não sabia, no começo, como ele trabalhava e me surpreendi com isso! Ele dizia apenas no local da filmagem como as pessoas deveriam atuar.

B!:A sra. já disse que cria peças para falar sobre algo que tenha urgência. Sua peça mais recente, Mazurca Fogo, trata essencialmente de amor, romantismo, alegria. É sobre esses sentimentos que a senhora acha urgente falar agora?

PB:A questão é: do que o mundo precisa hoje, do que precisamos? Bem, eu fico tímida ao falar das minhas peças, do que faço, mas claro que esses temas não surgiram por coincidência. Tudo é muito pensado, e reflete energias, sentimentos que estão juntos. Para mim é o que realmente é necessário: ver certas ironias, rir de alguma coisa, ter um certo prazer. Estamos num terrível, tenebroso, sério e assustador momento. Então, procuro dar um pouco de balanço, de compensação a tudo isso.

B!:Numa apresentação de O Limpador de Vidraças, uma criança de 7 anos divertiu-se o tempo todo, rindo, cantando, dançando. A sra. defende o teatro como um espaço para trazer nossas recordações de infância...

PB:Sim, afinal nossa infância é nossa história. De fato, nossa infância é importante para nós, para cada um de nós, mas as peças não são sobre mim, e sim sobre nós. Pode-se assistir a elas por tantos lados, não há um caminho: assista assim ou dessa forma. Deve-se estar livre, e confiar em si próprio, no que se está sentindo quando se vê a peça. E, quando se vê mais vezes, ela muda, da mesma forma que mudamos nossos sentimentos, e isso se reflete na visão. Eu acho que uma peça deve ser tão aberta para mim quanto para os outros, para que cada um possa construir sua própria peça nela.

B!:A sra. assiste a todas as apresentações de sua companhia, o que a impede de aceitar convites para coreografar outros grupos. Qual a razão de sua presença permanente?

PB:Eu mesma não sei exatamente, mas para mim isso sempre foi necessário. Alguém tem de estar lá para cuidar das peças, dos detalhes, há sempre milhões de detalhes. Senão, as produções vão mudando pouco a pouco. E também há diferentes palcos, teatros, e em cada lugar precisamos nos sentir como em casa, que é o nosso lugar. E nunca encontrei ninguém que pudesse cuidar disso. Além do mais, eu acho que foi o meu sentimento que organizou as peças e por isso tenho de estar lá, fazendo as críticas. E todo mundo trabalha tanto, que "tomar conta" é muito importante. Tomar conta e sempre necessário, seja numa relação de amizade, ou qualquer outra.

B!:Mas a sra. aceitou o convite para dirigir uma ópera, em julho, no mais recente festival de Aix-en-Provence.

PB:Sim, durante as minhas três semanas de férias! Mas foi um convite irrecusável do Pierre Boulez, um maestro fantástico. E ele me propôs fazer O Barba-Azul, o que foi uma honra inacreditável. Sempre quis encontrá-lo e estar em contato com ele, o que foi muito bonito. Antes, O Barba-Azul tinha alguns cortes, e pela primeira vez foi apresentado na íntegra. E, em verdade, me pareceu uma obra completamente diferente, com um homem tão diferente, um Barba-Azul tão bom, isto é, no que ele pode ser bom, uma pessoa tão triste, nem parecia o Barba-Azul!

B!:E qual a diferença na montagem do Barba-Azul que a sra. criou em Wuppertal, em 1977?

PB:Quando fiz Barba-Azul com o Tanztheater Wuppertal, usei um gravador em cena que podia reproduzir a música alta ou baixa, mais rápida, ou mesmo voltar várias vezes. Na ópera, tive de aprender um monte de coisas, como: não fazer muito barulho em cena para não atrapalhar a orquestra, ou que os cantores querem olhar para o público. Foi como fazer uma série de acordos. E o tempo de preparação foi um pouco curto, apenas três semanas.

B!:Pelo processo de criação que desenvolveu, a sra. consegue obter de cada bailarino aquilo que ele sabe fazer de melhor. Como é esse processo?

PB:Eu tenho com cada um uma relação muito especial, baseada no respeito. Mas explicar o processo é muito difícil. Pode-se falar de uma forma técnica o que faço, mas a real intenção pela qual escolho uma cena não tem explicação. E, quando vejo algo que me agrada, é como se isso já pertencesse ao que eu procurava, é o que eu queria ver. Também sempre há coisas que me deixam insegura; quando começo uma peça, nunca sei exatamente aonde vai dar. E são os bailarinos que me fornecem esse material: às vezes, uma palavra, ou mesmo uma pequena fração de movimento. Eles criam algo, e peço para repetirem apenas uma pequena parte, e eles mesmos se surpreendem com a minha escolha. É muito engraçado, porque, no início, é como se eu não soubesse; já estava lá, mas não tinha forma. Mas se você me perguntar como, eu não sei.

Créditos: Revista BRAVO!!!

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